Missão

Caridade, Beneficência e Solidariedade

Até à criação das misericórdias no final do séc. XV e desde os primórdios da nacionalidade, as necessidades da população portuguesa, em matéria de assistência, foram garantidas sobretudo através de iniciativas de âmbito local, ligadas não apenas às ordens militares e religiosas, como também aos municípios e às confrarias ou a simples particulares (proprietários ou mercadores ricos). Tendo assim surgido até àquela época quatro tipos de estabelecimentos assistenciais, que terão chegado ao Ocidente cristianizado por via da influência bizantina: hospitais, albergarias, gafarias (leprosarias) e mercearias. Destas as que sobreviveram até aos nossos dias foram os hospitais.

Na Europa cristã, durante a Idade Média até ao séc. XVIII, a doença, o sofrimento, a pobreza e a morte encontravam-se submetidas à vontade divina, sendo vistas e aceites doutrinalmente como um destino irremediável e necessário. A assistência aos enfermos e aos demais pobres era considerada, por sua vez, como uma virtude cristã e como uma manifestação de misericórdia. A caridade era então uma espécie de garantia que um cristão tinha de alcançar o céu e consequentemente a salvação eterna.

As nossas misericórdias, fundadas por iniciativa da rainha Dona Leonor [1458-1525], esposa do rei D. João II, foram a materialização deste princípio da moral cristã, para além de constituírem um instrumento de dominação política e de gestão das desigualdades sociais. Estes estabelecimentos, cuja designação advém do facto de se proporem realizar obras de misericórdia, irão surgir em todas as vilas e cidades do país durante o reinado seguinte, de D. Manuel I. As misericórdias, que são associações laicas, de inspiração cristã, vão ter um grande impacto na população portuguesa durante séculos, desempenhando um papel importante no campo assistencial, nomeadamente no apoio material, moral e espiritual aos órfãos abandonados, aos expostos, aos pobres, às viúvas, aos peregrinos e presos sem recursos, etc.

Elas serão responsáveis pela criação e administração de praticamente toda a rede hospitalar do país até ao “25 de Abril” de 1974, a partir do qual os seus hospitais são estatizados, primeiro os distritais, depois os concelhos.

Para realizarem a sua missão e expandirem as suas atividades, as misericórdias contavam sobretudo com as doações da gente rica, com os peditórios e com as esmolas. A Misericórdia de Aljustrel possuía um valioso património constituído por alguns prédios urbanos e numerosas herdades, provenientes de beneméritos, de que destacamos António Guerreiro Coelho, que foi governador e capitão-general das Ilhas de Timor e fidalgo da Casa de Sua Majestade, que legou grande parte dos seus bens em testamento feito em 1710, poucos anos antes da sua morte [1717]. Ao longo dos anos esta instituição foi perdendo sucessivamente os seus bens, devido a administrações pouco cuidadas e sobretudo com as chamadas leis de desamortização de 1881/1886.

Entrava-se numa época de decadência económica destas instituições seculares. Por outro lado, à margem das misericórdias e do Estado, o incipiente movimento operário e popular irá fundar as suas próprias associações, nomeadamente de socorros mútuos. A partir dessa altura começa-se a substituir os conceitos de caridade e o seu sucedâneo, a beneficência que será cultivada pela burguesia enobrecida, pelo conceito de solidariedade. Em Aljustrel, meio operário mineiro, o movimento mutualista iria afirmar-se com a fundação em 1893 do “Montepio Aljustrelense”, ao qual sucederia, em 1906, a Associação de Socorros Mútuos “Mineira Aljustrelense”, que chegou a ter mais de 1.500 associados e que durante mais de meio século de existência prestou relevantes serviços no âmbito da assistência médica e farmacêutica e até na morte à comunidade mineira e demais população de Aljustrel. Não resistindo às imposições governamentais e à concorrência da Caixa de Previdência e da Casa do Povo, o Montepio entraria em declínio a partir da década de 1960, desaparecendo definitivamente em finais dos anos 70.

Apesar da popularidade que o Montepio inspirava na população de Aljustrel, esta esteve sempre solidária com as mais diversas iniciativas que visavam a angariação de fundos para a “Misericórdia e Hospital Civil da Vila e Concelho de Aljustrel”, como passou a designar-se aquela instituição durante a vigência do Estado Novo. Organizavam-se festas carnavalescas, paradas atléticas, gincanas, jogos de futebol, bailes, quermesses, etc., cujos lucros revertiam a favor do Hospital Civil. Nessa época quando se pretendia efetuar qualquer obra importante nos hospitais da misericórdia, dada a fraca capacidade financeira das autarquias, recorria-se à mobilização popular através da realização dos tradicionais Cortejos de Oferendas, que consistiam em desfiles etnográficos que percorriam as principais ruas da vila. Participavam nestes desfiles as agremiações desportivas e culturais, grupos de mondadeiras e ceifeiras com os seus trajes típicos, as casas agrícolas do concelho com os seus carros de parelha enfeitados, transportando produtos da sua colheita que constituíam as oferendas. Por vezes estes cortejos culminavam com as festas realizadas no jardim da Direção das Minas. A fotografia anexa e o balancete de uma dessas festas, publicado no jornal “Ala Esquerda” de 1 de junho de 1931, ilustram e documentam essas iniciativas filantrópicas da população de Aljustrel para com a sua Misericórdia.