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Encontro, missão e partilha – Nota do Bispo de Beja

1. Experiência do sentido da vida

Somos seres à procura da felicidade, da vida plena, que parece sempre escapar-nos, quando, umas vezes, nos parece tão perto e outras tão distante. A insatisfação e o vazio apodera-se de nós, quando nos despedimos de uma pessoa querida, mesmo que não desapareça para sempre. Quando Bento XVI se despedia dos cardeais e prometia reverência e obediência incondicional ao futuro Papa, que provavelmente dentro de dias seria algum dos presentes e, horas depois, desaparecia atrás da janela da residência de Castel Gandolfo, afirmando que seria a partir de então um peregrino na última etapa da sua vida, senti em mim esse vazio, mas ao mesmo tempo a plenitude da esperança prestes a realizar-se.

Como e quando se realizará essa plenitude? Sem a certeza das ciências exatas, mas com a segurança proveniente do coração que palpita e sente, tentarei exprimir algumas ideias sobre a minha experiência da procura e do encontro, lembrando a famosa frase do filósofo francês Blaise Pascal, de que o coração tem razões que a razão desconhece. Isto faz-me lembrar também a experiência narrada por Santo Agostinho, no seu livro das Confissões, de que só teve paz e tranquilidade quando se encontrou com a presença de Deus no seu coração.

 

2. Encontro e missão

Esta experiência do encontro com a razão de ser da nossa vida fê-la também Moisés no monte Horeb, fugido do Egipto, incompreendido pelos egípcios dominadores e pelos israelitas escravizados. Na sarça ardente, que não se consumia pelo fogo, ele encontrou-se com o Senhor dos Senhores, Javé, que o enviou a libertar o seu povo da escravidão. Desse encontro recebeu a missão e a força para a realizar. Sem medo, ele regressa ao Egipto e vai falar com o Faraó, para que deixe partir o seu povo. É esta experiência que faz os verdadeiros heróis e chefes.

Muitos admiram-se de como uma pessoa frágil consegue desempenhar missões difíceis, para as quais não estava preparado. A história da Igreja está recheada de figuras destas, que enfrentaram os poderes mais adversos, mantendo-se fiéis à missão recebida. Desde Jesus Cristo, passando pelos apóstolos, por S. Paulo, S. Bento, S. Francisco de Assis e nos nossos dias João Paulo II e Madre Teresa de Calcutá. Sem esse encontro com Deus, as suas vidas e testemunhos não teriam sido possíveis.

É destas pessoas iluminadas que a Igreja e o mundo precisam, para vencer as forças adversas à justiça, à paz, à liberdade, ao bem comum e à fraternidade e que afundam a humanidade na crise, sem solução à vista. Em breves palavras, Bento XVI afirmava isto mesmo, na audiência de 14 de Novembro de 2012: Se Deus perder a centralidade, o homem perde o seu justo lugar, e não encontra a sua colocação na criação, nas relações com os outros.

 

3. Fé comprometida, cidadania ativa

Enquanto esses iluminados não surgem, há pequenos passos a dar no sentido de empurrar a sociedade para a senda do encontro das soluções e do sentido da existência. Neste fim de semana a Igreja em Portugal lançou uma campanha da partilha fraterna, com o slogan: fé comprometida, cidadania ativa. O que quer isto dizer? Que a fé dos cristãos pressupõe um encontro com a pessoa de Jesus Cristo e n’Ele com todos aqueles que precisam de ser ajudados, pois sempre que fizermos o bem a quem está necessitado é a Ele mesmo que o fazemos. Por isso a fé compromete-nos com Ele e com todos os nossos irmãos. Precisamente Ele nos deixou como testamento e exemplo: como eu fiz, fazei vós também; amai-vos uns aos outros como eu vos amei.

Este compromisso do encontro da fé impele os cristãos para uma cidadania ativa. Capacita-os e impele-os a serem cidadãos atentos e próximos aos outros, inspirando as suas ações no dinamismo do amor, que transforma os corações e as estruturas de egoísmo e de injustiça em relações de convivência fraterna, no respeito pela liberdade e igualdade dos nossos concidadãos.

O apelo lançado pela Igreja neste terceiro domingo da Quaresma, pedindo a nossa partilha fraterna para minorar tantas situações de carência e mesmo de pobreza, não pode ficar na dádiva monetária, embora também necessária, mas inspirar o coração de todos para ir às causas do sofrimento causado pela crise que flagela muitos países. E como dizia o evangelho deste domingo: se não nos convertermos, pereceremos todos, uns enrolados no capital sem coração e outros despidos do necessário para sobreviver. Por isso é importante aproveitar este tempo da Quaresma, para fazermos a experiência da conversão no encontro com o coração de Cristo e nos tornarmos seus fiéis discípulos.

 

† António Vitalino, bispo de Beja