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Regresso a casa – Nota do Bispo de Beja

1. Alegria do regresso a casa

Na sua autobiografia, Joseph Ratzinger, futuro Papa Bento XVI e agora Papa emérito, narra a enorme alegria da sua família, quando, tendo terminado a segunda grande guerra mundial, depois de ele mesmo ter regressado a casa, liberto do campo de prisioneiros de guerra, o seu irmão Jorge, que tinha sido destacado para a Itália, já há várias semanas libertada pelos aliados do domínio fascista e nazi, julgando-o morto ou desaparecido, como tantos outros milhões de soldados, finalmente entrou pela porta dentro. Todos sabemos do enorme sofrimento das famílias, quando desaparece algum membro, criança, jovem ou idoso, sem saber se está vivo ou morto, e se espera a notícia do seu paradeiro ou destino.

Um dia Jesus contou uma história parecida, que pôs a descoberto a veracidade dos nossos sentimentos e o contraste com o procedimento de Deus para connosco. É a parábola do pai que tinha dois filhos e o mais novo resolveu abandonar a casa paterna e ir gozar a liberdade, sem as peias dos afetos familiares. Importante é o desfecho da narrativa,rolex replica quando esse filho decide regressar a casa e o pai lhe faz uma festa, na alegria de saber que ele estava vivo e voltou para a família. O outro irmão, que sempre ficou em casa, é que não gostou da atitude do pai e recusou-se a participar na alegria da família.

 

2. Povo desavindo e com desigualdades profundas

Ao refletir sobre estas histórias e outras parecidas, recordei muitos casos, uns que conheci através dos meios de comunicação social e outros por contacto com pessoas implicadas. Mas logo me ocorreu o desfecho da parábola evangélica. Será que nos alegramos quando alguém regressa a casa? Acolhemo-lo bem? Fazemos festa?

A Igreja pode ser considerada como uma família, chamada a ser fermento, símbolo e sacramento da unidade de todo o género humano, na comunhão com Deus e os irmãos. Seremos verdadeiramente sinais de fraternidade, pessoas abertas e acolhedoras, sempre dispostas a integrar novos membros na comunidade, mesmo que já tenham pertencido à família dos discípulos de Jesus e se tenham afastado, ou, pelo contrário, empurramos para fora quem não cai na nossa simpatia? Fazemos aceção de pessoas ou temos um amor preferencial pelos mais fracos, pobres, doentes, crianças, idosos, pecadores?

Se na família eclesial há desavenças e desigualdades, elas são muito maiores na sociedade a que pertencemos. Mesmo nas manifestações de descontentamento com as políticas de austeridade nota-se alguma contradição, cujas causas são mais profundas que os cortes nas remunerações e nas reformas. Nas multidões de manifestantes ou nos grupos mais pequenos sabemos que não há o espírito de família, mas interesses pessoais ou de classe. Quando até os reformados milionários manifestam descontentamento, embora entre eles esteja também quem contribuiu para a crise, administrando empresas em seu favor, esquecendo-se que, acima de direitos adquiridos, está a justiça, o bem comum, o destino universal dos bens, a solidariedade e a fraternidade, radicada na dignidade e igualdade da pessoa humana.

Os governos eleitos democraticamente têm de orientar as políticas por esses princípios fundamentais, e não a partir de interesses de classes ou lobbies.

Mas é difícil conseguir o equilíbrio nas sociedades num mundo global,respeitando a liberdade e a dignidade das pessoas e o princípio da subsidiariedade da sociedade civil. Há sempre fugas, pois nem todos os países e instituições seguem os mesmos princípios.

 

3. Chamados a reconciliar a família humana

No meio deste panorama complexo, os cristãos, olhando para a vida e mensagem de Jesus Cristo, precisam de se converter e orientar as suas vidas e ação no sentido de curar muitas feridas e ajudar a restaurar o sentido de família e de povo.

S. Paulo, na segunda carta aos Coríntios (5, 15 ss), exorta os leitores a ser embaixadores de Cristo e instrumentos de reconciliação. Eis aqui bem definida a missão da Igreja, hoje mais necessária que nunca. Reconciliados com Deus e com o nosso próximo, alargando os nossos olhares para além dos nossos grupos e comunidades, sentindo o sofrimento do nosso povo e da humanidade, não podemos cruzar os braços.

Bento XVI, Papa emérito, concretizando o evangelho e a doutrina social da Igreja para o nosso tempo, deixou-nos um magistério clarividente, que muito nos ajudará a discernir o nosso papel na Igreja e na sociedade. Invoquemos a luz do alto para a eleição do novo Papa, sucessor de Pedro e garante da comunhão eclesial, para que, em união com o colégio episcopal, dê um forte impulso à missão da Igreja na atualidade.

 

† António Vitalino, bispo de Beja