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Sonhos e Utopias -Nota do Bispo de Beja

1. O País que queremos ser
No dia 3 de novembro participei, em nome da Comissão Episcopal da Pastoral Social e Mobilidade Humana, num colóquio organizado pela Comissão Nacional Justiça e Paz que tinha por título: “O País que queremos ser.” Na breve saudação que proferi afirmei que esse desejo tem muitas condicionantes, pois sabemos que também podemos dizer: o País que podemos ser ou que nos permitem ser. Mas, sem cair na inevitabilidade do destino, acrescentei que não podemos vender a liberdade, a nossa dignidade, por um prato de lentilhas, como fez Esaú, ou suspirar pelas cebolas do Egito no momento em que o caminho da libertação da escravidão nos exige austeridade e sacrifícios, pois o dom da liberdade não tem preço, e valemos mais que todo o bem-estar material.
Ouvi lições magníficas e elogios à doutrina social da Igreja, sobretudo a partir da encíclica Pacem in terris, do Papa João XXIII, de 1963, e dum documento do Conselho Pontifício Justiça e Paz, este de 2011, com propostas para uma reforma do sistema financeiro e monetário internacional na perspetiva de uma autoridade pública de competência universal, que regule os poderes egoístas, sejam eles de países, económicos ou financeiros.
Muitos dos participantes defenderam uma maior intervenção da sociedade civil, embora com meios pacíficos, pois vivemos num país com democracia representativa. No entanto, não podemos limitar-nos a manifestar as nossas opiniões apenas através dos representantes eleitos ou aguardar a altura de eleições. As manifestações populares de desagrado mostram ao país e ao mundo que as pessoas são mais importantes que os cifrões. É preciso reequacionar as prioridades políticas e económicas e encontrar caminhos de maior justiça social. Mas isto não pode ser feito apenas a partir de um país, pois vivemos num mundo global e interdependente. Daí a exigência da tal autoridade mundial, com poder para regulamentar os mercados e as políticas económicas.
2. Sonhar a vida
O sonho comanda a vida, disse um dos nossos poetas. Numa altura em que o governo de Portugal propõe um orçamento para o ano de 2013 e as empresas também o fazem para o âmbito da sua ação, fico com a sensação que há em tudo isso a frieza e exatidão dos números, mas também uma grande dose de sonho ou pelo menos de desejo e esperança que nada de imprevisível aconteça. Todos sabemos que o ser humano não domina todas as forças da natureza e muito menos o que depende da liberdade das pessoas, que podem recusar agir de acordo com os planos dos governantes e dos empresários. Por isso os bons governantes e dirigentes empresariais têm de estar preparados para lidar com estes fatores imprevisíveis e saber convencer os seus colaboradores sobre a bondade das suas medidas para todos os implicados no processo.
Ao ver o que se passa à nossa volta, parece-me que nada disto está a acontecer. A ser verdade esta constatação, então prevejo dias difíceis para a nossa vida e para a coesão social e das empresas. Apenas peço a Deus que nenhuma tragédia ou catástrofe natural nos atinja, como foi o tufão nos Estados Unidos da América do Norte, que em poucas horas destruiu o bem-estar de milhões de pessoas.
Apesar de tudo temos de sonhar a vida pelo lado positivo e até mesmo cultivar algumas utopias, para que se fortaleça a nossa autoestima e a nossa esperança. Num mês em que lembramos os nossos falecidos e sentimos as feridas de algumas separações inesperadas de entes queridos, os cristãos são desafiados a unir-se a eles numa oração mais intensa, na certeza de que nada acontece por acaso e que no coração de Deus tudo tem sentido e as nossas energias vitais são renovadas na comunhão que se estabelece com a fonte da vida. Estou convencido que nos falta a força da fé, reanimada pela oração. Por isso Jesus nos diz que a fé transporta montanhas e tudo o que pedirem com fé e persistência ao Pai, Ele no-lo concederá. Daí que Ele nos diga: «Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, que Eu hei-de aliviar-vos. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração e encontrareis descanso para o vosso espírito. Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve.» (Mt 11, 28-30)
Também sonho para a diocese de Beja uma Igreja mais simples, fraterna, unida e corresponsável. Por isso convocámos um Sínodo e pedimos a todos os diocesanos para implorarem de Deus a realização deste sonho.

+ António Vitalino, Bispo de Beja